ZÉ MAGO, MESTRE de OBRA MAIS LÚDICO DO MUNDO!
- Crônica do dia 05-04-2020 - Zé Santana é o verdadeiro sertanejo, aquele que mesmo longe de sua terra sempre manteve suas origens. Mais de setenta anos, quase oitenta, e ainda preserva muito bem o pernambuquês, bebe cachaça, fuma cigarro de palha, conta piada, curte a família, sua esposa D. Tânia, única com quem se casou ao longo da vida e vive rindo de tudo. Ou QUASE TUDO! “Gato de Obra”, gíria que se utiliza para dizer dos donos de empreiteiras ou “empeleiteiros” como se diz no sertão. Zé criou seus filhos e sustentou sua casa dessa maneira. Trabalhando duro, sendo honesto, pagando em dias os seus trabalhadores e mantendo uma vida comum. Formou os filhos que optaram por estudar e criou um clima extremamente fantástico de convivência com todos os seus parentes e amigos, de forma que eu jamais ouvi falar nem dos meus contemporâneos, nem dos mais antigos, qualquer história que o desabonasse. Mas, por outro lado, histórias engraçadas tem diversas! Principalmente no que se refere à “história de obra! Os pormenores dos bastidores de um canteiro de obras na Construção Civil. E essas histórias são contadas a miúde nos bancos de praça e nos botecos aqui da vila e engloba todos aqueles que queiram ouvir. Numa dessas, meu tio Antônio, que conviveu com Zé Santana, que muitos chamam de “Zé Mago” (MAGO é pronúncia matuta de MAGRO), estava lembrando de um dia em especial que marcou a trajetória dos trabalhos. Zé Mago tinha uma Kombi branca que levava os trabalhadores para a obra, que além de evitar atrasos e faltas, a maioria de seus trabalhadores eram sertanejos nordestinos, ou filhos deles, e conheciam pouco ou quase nada de São Paulo, além de ajudar na renda desses trabalhadores, pois ao invés de se gastar dinheiro com passagem de ônibus, a carona lhes fazia economizar esse dinheiro, além de proporcionar-lhes uma boa dose de conforto. E nessa Kombi rolava todo tipo de conversa, das mais diversas possíveis, de maneira muito democrática. De futebol, religião, política, e até briga de casal, porém, uma coisa que ERA INCONTESTÁVEL era a vaquejada que todos os dias Zé escutava em sua Kombi rumo ao trabalho que lhe punha mudo e lhe remetia ao seu Pernambuco amado de outrora. Certa feita teve um ousado que resolveu cantar samba no meio do trajeto, por cima de sua vaquejada, e ele parou a Kombi abruptamente num acostamento, desceu, abriu a porta da Kombi enfurecido e gesticulando como um maestro regendo uma peça de Beethoven, reclamou aos brados: - Vamos parar com essa “dação de cu” aí atrás e quem quiser cantar peste de samba pode descer e ir pra obra de ônibus! Alguns sorriam, outros gaitavam, outros tiravam sarro, afinal, como se diz na obra: “peão é a imagem do cão!”. Por fim o assunto foi pacificado e todos seguiram para o trabalho. Na obra, o aprendiz é chamado de “oreia seca”. É aquele que está começando agora e que vai aprendendo o trabalho, parte por parte até chegar ao nível supremo de “mestre”, que o sujeito que entende desde o “recorte” ao acabamento. Entende de “amaciar” a parede com massa corrida, pintar com látex, epóxi, tinta à óleo, esmalte, entende de superfícies, técnicas e efeitos que deixam qualquer barracão parecendo uma mansão do Itaim Bibi. Inclusive a equipe dele chegou a pintar até obra de Ruy Otake! Vai brincando! Ele conta que esse zelo com sua equipe foi o promotor de seu sucesso, porque ele buscava ensinar com cuidado o passo a passo de cada “neófito” com o máximo de trato lúdico possível e imaginável, a tal ponto, que houve algumas situações inusitadas ao longo de todo esse processo que algumas vezes lhe colocaram em “saia justa”. Certa feita estava lá o “oreia seca” pegando no cabo do pincel como quem “segurava num cabo de marreta”, fazendo o recorte da parede e lambuzando todo o jornal que forrava o chão, a roupa, as mãos, a cara, tudo! Mais tinha tinta fora do desenho proposto do que onde ela realmente deveria estar. Zé Mago chamou meu tio, Antônio, que já era tido por um dos “mestres” e disse apontando com a palma da mão direita aberta e o braço estendido, enquanto a outra se posicionava na cintura com as costas da mão. Com o corpo reclinado pra frente, com seu gesto comum que se encurva a partir da lombar, e o cigarro de palha no canto da boca, com os óculos presos ao pescoço por uma cordinha, caídos no meio do “pau da venta”. - Óia isso Gavião, veja se tem jeito! Enquanto ele arquitetava uma forma de corrigir o trabalho do peão, a dona do apartamento, que tinha saído, acabava de chegar e foi entrando pelo ambiente e ficou logo atrás dos dois, em silêncio, admirando o trabalho bem feito e higiênico da equipe que era chamada de “os artistas de Ruy”. Continuou: - Tem jeito um negócio desse rapaz, espia como o cabra segura um pincel! Meu tio sugeriu: - Oh Zé... Vai lá e explica pra ele que se pega num pincel não é assim não, como quem quebra pedra, diz pra ele que a gente pega no pincel é como “quem pega numa caneta”. – E gesticulou com a mão em tom de demonstração. E como explicar pra um peão analfabeto como se pega numa caneta? Zé Santana não teve dúvidas, jogou o cigarro de lado, que já tinha acabado, suspendeu as calças que ficavam sempre folgadas, até por demais, em seu corpo deveras esguio e foi até o rapaz. - Menino, me dê esse pincel aqui! Ói, deixa eu lhe ensinar como é que se faz... Você tem que pegar no pincel e passar na parede com delicadeza, assim, óh COMO QUEM ALISA UMA BOCETA! Entendeu? O peão aprendeu! Ele fez sinal assertivo com a cabeça, deu três tapinhas nas costas do peão que ficou feliz com o aprendizado e com a forma cômica de se explicar. Quando ele vira de costas, quem é que tava toda vermelha e pasma com a forma lúdica do ensinamento? A PATROA! Zé congelou na mesma hora, não sabia onde punha a cara, começou a suar e mudou de tudo o que era cor! Chamou meu tio pra fora do prédio e disse: - Gavião, onde é que eu tomo uma cachaça agora pra curar esse nervoso? Graciliano Tolentino Graciliano Tolentino
Enviado por Graciliano Tolentino em 08/04/2020
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