SEM A SOMBRA DE MINHA PALMEIRA.
Um vinho gaúcho anestesiava minha consciência enquanto o cigarro levava embora mais um pouco de vida que havia em mim. A rua tranquila, numa noite do início setembro, terça-feira. As luzes, da cidade baiana, acesas, e meu coração se contraindo de dor a cada vez que eu respirava.
Aliás, respirar, ali, pra mim, parecia um crime. Queria poder proibir meu corpo de fazer isso naquele momento. Me matando por dentro pela dor da minha covardia, enquanto a voz que um dia me falou de amores, e, agora, falava de ódio, ressoava em meus ouvidos insistentemente como um zumbido insuportável, ou aquelas músicas de pagode sem letra que insistem em tomar nossas memórias. Os segundos passando como se se rastejassem, reportando a mim mesmo meu estado de choque, sentado num banco de praça de frente a um quiosque desativado, conversando com um amigo gaúcho, de família baiana, sobre revoluções. Quilombo dos Palmares, Guerra dos Farrapos, Comando da Capital... Quantas ideias... Quantos livros lidos... Quanta baboseira! Quanta porcaria nos faz acreditar que trará nossa felicidade! Uma felicidade mal construída, conceitos estabelecidos pelos livros mais podres e mais comprados no mundo! As bíblias, os livros de alto-ajuda, as escritas sobre “Como fazer um relacionamento dar certo”, e blá e blá e blá! Como se um coração fosse uma receita de bolo, que fosse feito pra ser assado em um forno pré-construído e preparado pra isso, pra depois colocar numa embalagem bonita e expor numa prateleira de mercado ou na parede de uma galeria qualquer. Ou as formas que os escravos imaginam que está correta, mantendo um padrão falido do que se diz ser felicidade, enquanto se chora calado na solidão de um quarto, matando o resto que há de vida em si, de dentro pra fora, pela gastrite nervosa que adquiriu, ou pela mancha preta no pulmão e os vasos sanguíneos entupidos, males trazidos pelo tabaco, ou o consumo do que lhe restava de fígado, pelas canas, batatas e maltes, destilados. Talvez seja o medo da chuva que poucos de nós perdeu, talvez o medo de não saber o que vem depois, o medo de abrir mão dos comodismos, e medo de algo dar errado, medo de não ser a escolha certa. Mas, não importa do que, é sempre algum medo. Principalmente o medo de não estar certo é quem vem me impedindo de acertar. E esse erro tão fatal, é o qual, caso não consiga consertá-lo me amargurará por longos e tristes anos da minha vida. Como o garimpeiro que trabalhando nas obras de construção da sua vida, desmatou um barranco bem do lado de uma cachoeira em busca de um tesouro, e, encontrou escorpiões, aranhas e lacraias, mas, havia, também, algumas gemas de ouro ali, feliz pela sua pequena descobeta, resolveu limpar o lugar, acender uma fogueira e deitar pra descansar enquanto assava os produtos da caça. De noite houve uma enxurrada bem perto de seu alojamento, as águas ainda invadem parte do local que construíra, apaga sua fogueira que o protegia dos animais selvagens, e quase o afoga. Ele maldiz o Criador pela má sorte, mas, quando o dia amanhece, percebe que diante do lugar onde dormira a noite passada, havia se desenterrado, pela torrente, uma grande pepita de ouro. Ficou feliz pela descoberta, e, tão boquiaberto que mal conseguia pensar. Pensou em limpar o local e retirar a pepita, preparar pra derreter e transformar em peças, pra então comprar um palácio, terras, animais e fazer uma grande plantação de uvas que serviriam para sua vinícola que sonhava em construir. Mas havia muitos ladrões por ali, e ele tinha medo de ser roubado e perder o grande tesouro que havia encontrado e resolveu deixá-lo ali mesmo, afinal, sabia onde estava, era só escondê-lo com alguns arbustos e terra. O que ele não havia se apercebido, era que aquele barranco que ele tinha desmatado antes, e construído seu alojamento, e encontrado o primeiro tesouro, estava fragilizado pela enxurrada. Numa outra vez, enquanto repousava na sombra de uma jaqueira, feliz, ainda, pelo tesouro que encontrara, veio outra torrente. Dessa vez, pelo dia, muito mais forte que a outra. Destruiu seu alojamento, derrubou o barranco, levou embora suas ferramentas de garimpo, sua caça e tudo que ele possuía. Ouviu de longe o estrondo e correu para ver se havia desencoberto mais algum tesouro, e sua maior surpresa foi ver as águas carregarem o barranco e encobrirem o maior tesouro que já encontrara em sua vida. E ele o perdeu, simplesmente por ter medo de perdê-lo.
Graciliano Tolentino
Enviado por Graciliano Tolentino em 14/09/2011
Alterado em 14/09/2011 |