A Primeira Graciosa
É ruim o sentir sozinho, assim como sinto agora. Como quem sente só, porque pura e simplesmente sente falta. A falta de algo tão comum, que não pode deixar de ser, como uma perna, ou um olho, ou um qualquer coisa que lhe seja importante todos os momentos, e que quando se dá conta, se percebe que está amputado.
E é assim, a falta que faz, desde quando, por encanto, eu senti um algo a mais que só podia vir de um alguém, no meio da música, naquela dança, no brilho das luzes que faziam o fundo do retrato maravilhoso do teu rosto, estampado diretamente nos meus olhos, milimetricamente distanciados, com testas e narizes grudados. O que havia de suspiro, eu suspirei, o que havia de encanto me encantou, o que havia de romantismos eu sonhei, e por nós todos meu coração falou. Um giro intenso, que mais parecia girar de carrosel, ou quando a gente corre no gira do parque, que fica só o olhar de um dentro do outro, como que vendo a alma, como que nada mais existisse, como que a gente vivesse, o que nunca nem se pode pensar, como que a gente entendesse, o que de verdade é gostar. E depois, no caminho pra casa, ir contando os passos, e vendo quantos passarão, tentando sincronizar as medidas e enquadrá-los no piso do quarteirão. Mudar o rumo das pedras com pequenos chutes, tentando lançá-las até quando uma vontade maior de arremessá-las tomar o seu coração e ir chutando outras. Sorrir com as gotas da chuva, batendo no rosto, como que pequenas agulhas espetassem devargazinho, uma garoa fria, que refrescava bem. Sentir o gosto do ar, como que nunca houvesse perfume maior, e senti-lo entrando e saindo dos pulmôes, de novo, de novo e de novo, o corpo absorvendo o oxigênio, até ficar cansado e expelir de novo, e puxar de novo e de novo e de novo. E levantar a cabeça até a nuca tocar as costas, com os braços soltos, bem moles pra falar a verdade, os ombros lá atrás, as pernas frouxas... E abrir os olhos bem devagarinho, os passos preguiçosos quase sem levantar do chão, sem medo de buracos, saliências, cães ou ladrões. Pra ser sincero, que me roubassem, estava pleno de tudo que me fazia bem. E chegar em casa, depois de dizer boa noite a todos que na rua ainda estavam, aos mendigos, aos guardadores de carro, aos porteiros, aos policiais, aos possíveis ladrões que eu sei que não me roubariam... E depois de ter sorrido como um bêbado, contado estrelas como um tonto, tropeçado como um ... Feliz como um menino... Deitei, sonhei acordado com medo de dormir e o sonho mudar, vendo você rodar diante dos meus olhos, vendo você sorrir com o meu riso, vendo você brigar pela minha ousadia, vendo você me tomar para si, e guardar. Ou talvez, me jogar na primeira lixeira que vir. Graciliano Tolentino
Graciliano Tolentino
Enviado por Graciliano Tolentino em 01/08/2011
Alterado em 01/08/2011 |