Escrivinhando...

Diante deste grande circo, o que nos resta é sorrir!

Textos

EFEITO COLATERAL
(Degustação)

-Graciliano Tolentino-

[...]
Eu já tinha ouvido falar que estupros eram humilhantes, mas eu imaginava mais uma humilhação como algo de uma super invasão da individualidade, não essa lança que atravessa o peito, e parece que fica fincada ali pra sempre.

Que fica na memória todos os momentos, e todos os momentos você lembra e chacoalha a cabeça pra tentar apagar da memória, o coração palpita, aperta de novo, dá uma falta de ar esquisita, vergonha... Um nó na garganta...

Eu dependurada no pau-de-arara, como todos os dias que ele estava lá, ele punha. E era sempre a mesma frase que eu ouvia, quando o carcereiro me jogava na sala de tortura: “Chegou meu café da manhã”.

Um intenso desespero me tomava todas as noites, ali deitada naquele chão imundo, sem banho... Em que eu me afastava o máximo do portão da cela, como que pudesse ficar longe de quem quer que fosse.

Pra que eles não me vissem, e não se lembrassem de mim, pra que eu, talvez, fosse agredida, uma vez menos, abusada, uma vez menos, humilhada, uma vez menos...

E ficava cochilando à prestação, como que aproveitasse cada momento de descanso, com medo de nascer o sol... Às vezes cochilava.
Mas preferia ficar acordada. Assim não tinha pesadelos, e os barulhos da noite me causavam menos medo. Já estava cansada do palpitar dolorido do meu coração todo momento.

Toda vez que ouvia alguém falar alto no corredor, os converseiros das selas vizinhas no meio da calada. Os gritos de desespero daquelas que eram “eleitas” para serem o brinquedo do dia.

Pelo o menos pra elas, ainda tinha eleição... Pra mim, já faz 45(quarenta e cinco) dias que eu estou presa, não sei onde, minha família nem sabe se estou viva. Sem defesa, sem acusação e sem autuação, e ainda nem sei do que estou sendo acusada... Eles é que vão decidir.

Eu já não sabia mais o que sentia fisicamente naquela situação. Acho nem nojo mais eu já era capaz de sentir. Diz que de tanto limpar latrina, a gente acaba se acostumando com o fedor da merda!

Os meus pulsos ardem, doem, incomodam, doem muito! As mãos, quase não consigo abrir, da tensão que a corda faz nas costas da minha mão, toda a musculatura do meu antebraço dói.
Essa corda raspando no meu pulso...

Estou no pau-de-arara.

Talvez seja verdade. Meio que aquilo já tinha se tornado uma rotina, e eu já preferia os momentos em que ele estava me fodendo, do que os momentos em que ele me dava choques.
Graciliano Tolentino
Enviado por Graciliano Tolentino em 10/11/2018
Alterado em 15/04/2020
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